domingo, 11 de abril de 2010

Estética da vaidade e o Can 2010

O presente texto é uma reflexão em torno dos custos não só económicos, mas de ordem estética e simbólica, uma vez que um dos objectivos do CAN 2010 seria a organização exitosa, que serviria de cartão postal para imagem do país além fronteiras. 
Pois bem, o desafio será olhar com olhos avaliativos para as mudanças que ocorreram na ordem social, passado dois meses do encerramento do campeonato africano de futebol, na sua fase final. Olhemos em redor e avaliemos o que de significativo mudou, para além do clima de euforia, entusiasmo e da onda consumista.
Muito foi tido e escrito a cerca do evento este desportivo que o país organizou. Falo do CAN Orange Angola 2010, de 10 a 31 de Janeiro passado. Analisado com os olhos de hoje e diante do distanciamento de dois meses, importa reter alguns apontamentos. O meu argumento tem como pressuposto que o CAN 2010 serviu mais para colorir à imagem dos decisores políticos de Angola, do que as potencialidades e competências organizativas de um país em flanco desenvolvimento de infra-estruturas e serviços diversos. Não quero negar que não se esteja a investir, que não se esteja a registar ganhos económicos com a particularidade de provirem do Boom do petróleo. É que, os avanços são poucos se comparados com às dificuldades do dia-a-dia dos cidadãos nacionais. Com estes eventos, criam-se sonhos, anseios e muitas esperanças são depositadas. Mesmo sabendo de antemão que os eventos desportivos causam desilusões aos países que investem mais discursos e menos prática, e terminam com resultados não satisfatórios, próprio da falta de previsibilidade.
Não fugindo à regra, criou-se ao longo da organização do CAN 2010 muitas expectativas na mente dos pacatos cidadãos angolanos e estrangeiros, que viajaram dos seus países, ou como turistas ou fazendo parte das caravanas de apoiantes as selecções nacionais.
Aos Palancas Negras foram disponibilizadas atenções especiais, com direito a estagiar na Europa, como fomos habituados, uma vez que abriria o campeonato, no hoje famoso estádio 11 de Novembro, uma homenagem a data que marca a conquista da independência, com todas as suas nuances históricas. O estádio 11 de Novembro foi construído de raiz e com capacidade para albergar perto de 50. 000 pessoas, - um moderno estádio com equipamentos da mais alta tecnologia de ponta. Adjacente a esta infra-estrutura pública, foi construída uma via rodoviária rápida que dá acesso algumas zonas da cidade capital. Prevista para quatro faixas de rodagens, mas que por altura do evento apenas duas funcionaram na plenitude. 
Perspectivava-se que estes investimentos públicos com custos económicos elevados, viessem devolver alguma dignidade as cidades que acolhessem o campeonato e que tivessem retornos aos cofres do Estado sobre outras formas.
O estado angolano não hesitou em construir quatro novos estádios de raiz nas quatros províncias, como também em equipamentos, recuperação de outros estádios secundários, onde as equipes efectuaram jogos treino, é o caso da própria selecção angolana de futebol que ficou hospedada a dois ou três kilométros do campo onde fez os jogos treinos. Entenda-se que, quando nos referimos em estado, usamo-lo no sentido lato e não restritamente ao governo. Estado é toda colectividade que responde pelo país. Por uma questão inclusiva falámos em colectividade, justamente para não deixar ninguém de fora. Esta reflexão, importa ser feita pela generalidade, porque somos todos responsáveis pelo país que temos. Embora uns mais do que outros, pela posição que ocupam de decisores públicos na hierarquia do Estado.
Para além dos já referidos estádios, o estado angolano gastou fundos públicos na construção e equipamentos de redes hoteleiras, principalmente, nas cidades que acolheram as equipes nacionais de futebol dos países africanos. O estado reforçou a capacidade de outros hotéis nas cidades e investiu numa rede de transportes públicos colectivos e semi-colectivos, este último imediatamente privatizado após o final do CAN2010.
Investiu em comunicações (telefonia fixa, internet,) pela Angola-Telecom aos adicionais monopólios da empresa Movicel, iniciativa da rede móvel de capital público e actualmente secundarizada para o privado, e da empresa privada de telefonia móvel – UNITEL, cuja capacidade e qualidade dos serviços inquieta os cidadãos, particularmente nos finais de semana,  ou datas festivais.
O estado angolano para além dos estádios, redes hoteleiras, transportes colectivos e semi-colectivos, investiu na recuperação de redes aeroportuárias, das “capitais do CAN2010” aumentando capacidade de passageiros e a modernização em meios técnicos.
Para além do aeroporto internacional de Luanda, foram reconstruídos o aeroporto do Lubango, de Benguela e Cabinda. O aeroporto do Lubango deixou a categoria de doméstico e passou para aeroporto internacional.
Visto com os olhos de hoje, constatamos que um dos objectivo do CAN2010, todo indica que foi alcançado, “Angola mostrou perante África e o Mundo que está em pé”. Esta é uma das poucas frases do glossário dos dirigentes nacionais que sobreviveu as mudanças ideológicas ocorridas nos últimos 20 anos. O país conseguiu a custa de milhões de dólares vender uma imagem a África e ao Mundo. E ao fim de contas, gastou-se dinheiro público e acolheu-se, cofres vazios, os Palancas Negras apesar das alegrias de pouca dura acabaram eliminados nos quartos-de-finais, e os cidadãos com as expectativas frustradas de ver melhorar a renda com os investimentos públicos. O infortúnio estive a espreita e acabou por culminar no ataque do grupo armado da FLEC à selecção togolesa, quando a mesma fazia-se transportar pela fronteira da República do Congo e a província angolana de Cabinda. Este incidente implicou uma disputa político-diplomática entre Angola, França e o governo togolês, terminando com o afastamento desta dos próximos campeonatos de futebol africano, e as investidas da polícia de segurança angolana aos cidadãos angolanos em Cabinda, presumíveis implicados no ataque de 11 de Janeiro.
Visto com serenidade, os custos do CAN2010, redundaram em gastos astronómicos para o país. Estará por provar, se a falta de salários da função pública não será uma das consequências decorrentes dos gastos sem retornos? Estará por prova, se embora prevista segunda fase de empréstimo do FMI à Angola, não terá sido antecipado pela ausência de fundos nos cofres do estado? 
Os números estão à vista de todos e caberá cada um fazer a sua avaliação, uma vez não serem de domínio público os dados oficiais, de quanto o estado gastou com para a organização deste evento.
A utilização dos modernos estádios de futebol é um dos exemplos que merece ser analisado. Foi-nos possível ter uma ideia geral dos custos do CAN 2010 através da coincidente publicação do primeiro número da revista Exame- Angola, de 2010. 
É hora do estado angolano fugir a atenção de investimentos com elevados custos públicos da qual não se tiram retornos. Estamos a falar dos já situados estádios de futebol e das infra-estruturais como a Barragem Hidroeléctrica de Capanda que ainda não logrou o seu resultado, do quanto custou ao Estado.
Investimentos desta natureza são, certamente, importantes para dar um outro ímpeto ao país e a vida dos cidadãos, mas com ponderação nos custos, uma vez que a experiência pode ser conselheira, de cuja “às esperanças das populações estão cada dia mais idosas”, como bem cantou Alberto Teta Lando.
Há que lançar o país para investimentos públicos que vão ao encontro das reais necessidades da população e não se corra riscos, nem se transformem em meios para afectação de “comissões” em proveito das lideranças dos sectores.
Há que pensar em investimentos que sejam um ganho para o país, e não tragam custos económicos, sociais e ambientais elevados.
Só em Luanda temos exemplos de investimentos que não lograram os benefícios reais aos cidadãos desta cidade. A recente reconstrução do aeroporto Internacional de Luanda é um dos sinais da falta de fiscalização e previsibilidade pública, perante o que veio acontecer depois das chuvas do mês de Março, que agora termina. Todos os méritos são do articulista do Novo Jornal, Gustavo Costa, quando alerta sob a falta de seriedade e responsabilização, a que ficou voltado o mesmo aeroporto depois das chuvas.
Falo do aeroporto, mas poderia citar outras infra-estruturais que já levam mais de 10 anos para a sua conclusão. É o caso da famosa cidade universitária em Luanda, de que quando começou a ser projectada, o autor do texto não sonhava terminar a licenciatura.
Investimentos dessa natureza são desaconselháveis, a menos que os responsáveis públicos publiquem oficialmente os prazos da sua duração e não obriguem à população a conceder esforços em vão. 
É já altura de se parar com a imagem de ostentação que é projectada para fora do país, porque os recursos por si só não fazem o país. O país faz-se com à sua capacidade de transformar e reproduzir estes recursos em benefícios e ganhos para os cidadãos. Ainda assim, o país tem de ter a capacidade de previsibilidade, uma vez escassearem os recursos, estar em condições de sobreviver das competências humanas adquiridas. Do meu ponto de vista, pouco o país ganha ao projectar uma imagem constantemente contrariada pela realidade social no dia-a-dia. O país faz-se com homens instruídos, já dizia o velho ditado. Aqueles que mais cedo investem nas capacidades humanas, mais rápido colhem bons proventos. Nem sempre o mimetismo é o melhor caminho para o desenvolvimento. O país deverá ser capaz de produzir o seu próprio caminho para o desenvolvimento, e que seja de acordo as aspirações reais das populações.
Custa-me e já quase estamos habituados a ouvir os decisores públicos, nos seus pronunciamentos falarem dos desígnios de Angola se transtornar numa potência política e económica da região austral. Tal desiderato tem realização discursiva e no imaginário político nacional, mas é contrariado pela realidade do dia-a-dia. Os recursos não faltam, mas é urgente transformá-los em capacidades e competências, se não corre-se o risco de se ficar pelo discurso e pelo imaginário.
Insisto na ideia de que, o país pouco ganha com a estética da vaidade nos discursos públicos sem realização prática. Somos catalogados como sendo um o país rico em recursos e pobre em qualidade de vida e bem-estar. As informações que nos chegam, de que Luanda consta como uma das cidades mais caras de mundo, causam perplexidade diante do paradoxo do quotidiano Luandense.
Há que salvaguardar à imagem do país. E esta responsabilidade caberá a todos, principalmente aos decisores públicos que muitas vezes não se coíbem em anunciar discursos inflamados e ilusórios, que ao invés de mostrar as potencialidades, demonstram as fragilidades do país. E nem sempre aprendemos com as nossas fragilidades, que bem olhadas podem abrir novas perspectivas. Há que ter receios nos anseios e “aspirações faraónicas”, para não serem contrariados pela nossa própria ordem social. Um dos riscos da estética da vaidade é a sua transmissão veloz para as gerações mais novas. E assim, vai se fazendo o país.