domingo, 15 de novembro de 2009

Degravata: entre ter, aparecer e ser






Desde A forja (1985) e Meu réu de colarinho branco (1988), passando ainda por Mahézu (2000) e Joana Maluca (2004), o escritor vem se revelando, contudo, um cultor exigente, propondo-se conjugar, com não menos primor imaginativo, a intencionalidade pragmática ao efeito estético e a seleção e urdidura dos recursos discursivos aos referentes de significação e tematização textuais. De modo pertinente, a sua escrita tem sabido, como diria António Cândido na esteira de François Langlois, “enrola(r) a verdade na fantasia”, na medida em “que tal é a nossa imperfeição, que repelimos o que não vier ajustado à nossa superficialidade.” (CÂNDIDO, 2006, p. 117).
Após um médio interregno, Carmo Neto ressurge com Degravata, obra editada e publicada em 2007 pela União dos Escritores Angolanos (UEA) – n.º6 da Colecção ‘Sete Egos’ – e na qual reúne o total de 24 breves narrativas, que aqui se chamarão (por ora, sem almejar o rigor genológico) de crônicas de costumes, algumas delas inéditas e outras agora republicadas. Comportando 103 páginas, o livro traz ainda o prefácio do poeta José Luís Mendonça e o posfácio do professor Francisco Soares.
As crônicas abordam, sob vozes narrativas oscilantes, cenas diversas e dispersas dos cotidianos luandense e malanjino (bem como de outros física e nominalmente indeterminados), sem deixarem de inferir sobre as lógicas (internas e externas) das relações de poder que refletem o novo clima de experiência social – política, econômica, cultural e, sobretudo, ética – por que passa a sociedade angolana na atualidade, pretérito que é o tempo agônico e fratricida da razão armada.
As intrigas são caracterizadas por episódios de viés picaresco, burlesco e até paródico, tendo nas personagens, e na rede de relações que essas constituem, o centro simbólico da crítica dos valores, discursos e ações que enformam o universo perverso das novas ordens sociais e políticas. De tal sorte que o aparente caráter fragmentário da obra é degenerado pela noção de afinidade subjacente ao estatuto semântico e temático conferido às personagens, numa elaboração temporal que justifica o recurso às memórias do presente e do passado.
Nota-se, pois, que as potencialidades discursivas do gênero narrativo adotado são articuladas em sintonia com a recriação poética do real, a reportagem dos fatos, a ficcionalidade verossímil e os juízos de valor velados. As figuras que circulam por essas crônicas de Carmo Neto vão desde kitandeiras, jovens ociosos, crianças de rua, quimbandas, kamanguistas, trabalhadores utópicos e honestos, kínguilas, políticos e burladores à gente mesquinha, carente e ingênua de má-fé e sorte. E por estarem inseridas em narrativas de curta extensão, as suas caracterizações e identificações acabam por definir, desde logo, os seus papéis e destinos nos contextos das intrigas, a julgar pelos apelidos de conotações irônicas socioculturais e ideológicas: Azarado, Utópico, Cuidado, Kota Kitadi (mais conhecido ainda por Cabeçudo), Irmãos Kambutas, Pouca Sorte, Milideias, Diamante, Mao, Sô Chico-Cara-do-cu, Vinte-Por-Cento, família Quiquêrra, etc.
Com efeito, elas são apresentadas como partícipes integrantes de espaços sociais de vária ordem (instáveis e moribundos; intrigantes e fúteis) e cujas trajetórias as evidenciam quer como vítimas, quer como autoras da sua própria falência.
Tanto é que a celebração do fingimento é representada como um elemento ora consagrado na praxis do cotidiano (nos círculos familiar e bairrista, por exemplo), numa sociedade onde as pessoas são tidas e julgadas pela (cor da) gravata que usam e não pelo que são: como se lê na crônica homônima ao título, em que João Faztudo se fazia passar por prestigiado professor e por isso respeitado, “até um dia ser descoberto, por unanimidade e aclamação, criado do Hospital, lavador de bacios, sem blindagem nas narinas!” (p. 26); ou ainda no caso de Kaxexe, a quem se reconhece publicamente o título de doutor, mas que, na verdade, “tinha desfeito apenas uma cadeira na Universidade do Catambor” e nunca teria passado por uma “Universidade reconhecida pela Unesco” (p. 80).
O que se parece apontar como defeitos e vícios da sociedade não são os status em si, mas sim o uso de meios indecorosos e falsários para alcançá-los, assim como as atitudes empafiosas e arrogantes de neles se posicionar:

Víamos o Paciência, um alto funcionário do Estado, a passar e a olhar sem ver, e sentimos o bairro lacrimejar as nossas vidas agarradas ao chão, porque o tempo foi o grande ladrão que esqueceu-se (sic) de deixar o recado para que fôssemos gente (p. 64-65, grifo nosso).
Como se poderá verificar, pelo que acontece em não raras ocasiões, as vozes das personagens e do narrador resvalam na voz do autor (empírico e histórico, refira-se), produzindo-se um discurso do desmascaramento de certas hipocrisias, num tom sisudo, quando muito corrosivo e desencantado ao se referir à ética de conduta das classes do poder: “Pior é que, uma vez, o proprietário de empresas, clínicas e colégios, levou o cofre com dinheiro público pra casa, onde o mesmo se evaporou, e acha ter prestado bom serviço público!” (p. 19).
Mais do que o produto de simples modismos localizados e que incidem sobre determinados segmentos sociais, o neologismo que dá título à obra corresponderá a uma “disposição postural” socialmente engendrada (BOURDIEU, 2007, p. 61), ou seja, é a afirmação de que “tudo se transforma” (p. 85), como argumentaria uma das personagens de quem se desconhece a fonte de enriquecimento.
Assim, instauram-se mundos às avessas onde os heróis utópicos deixam de existir ou enlouquecem (cf. “Ah! Jeremias”, p.53-55; “Adeus, camarada!”, p. 91-93) e ganham destaque os mandarins e impostores de malandragens várias (cf. “A garina da marginal”, p. 37-39; “O deputado da rua das flores”, p. 61-62; “Ai, minha herança”, p. 77-78). Tratam-se de mundos caóticos que se tornam espaços de degradação das regras sociais e do vale tudo: onde só os lucros justificam a moral do negócio (“– (...) Podes criar uma agência funerária. Também dá dinheiro. As pessoas estão a morrer como bichos”, p. 21), as descontinuidades históricas são questionáveis (“Mas, as pessoas trabalham como no poema ‘Monangamba’ do António Jacinto”, p. 45), as desigualdades sociais são absurdas (“Custa acreditar!”, p. 84), as liberdades são cerceadas (“– Xê, mano, não fala política!”, p. 85), a ilicitude é naturalizada (“– Aqui há corrupção. Não há corruptos”, p. 88), os excessos são consentidos (“– Estamos na etapa da acumulação selvagem do capital”, p.89) e a única evocação edificante se faz ouvir pela voz dos mais velhos (“Meninos, não deixem perder a vossa terra”, p. 59).
Sem parecer temerário, pode-se asseverar que, pela presente obra, Carmo Neto intenta uma escrita de vigilância ética (sem querer ser moralista) para questionar os (des)caminhos pelos quais o país (e por que não também a nação?) segue, por meio duma escalpelização de incidência sociocultural e política. E fá-lo em expressão elevada, mesmo que, no plano estilístico-narrativo, se afira, dentre algumas crônicas, uma ausência de coerência na linguagem e de consequência formal, no sentido de que parece haver tanto alternâncias fortuitas dos registros sintáticos e lexicais usados (mormente na reprodução escrita da oralidade), quanto descoordenações dos modos e técnicas discursivos que chegam a beirar a ineficácia irônica e satírica no que diz respeito à narração de determinados eventos, à construção dos diálogos, à descrição dos espaços e à caracterização física e psicológica de algumas personagens.
Degravata é uma obra que é pelo seu todo, porém, o seu valor não se esgota na sua funcionalidade, já que aquele vai além dessa, inscrevendo-se num forte propósito semântico-pragmático. No mais, é enquanto cronista de costumes que Carmo Neto (re)pensa a sociedade angolana, elegendo, para o efeito, alguns dos temas mais caros à atual conjuntura, como sejam o dos novos interesses corporativos, da corrupção política e social, do arrivismo, do clientelismo, do facilitismo, do pseudo-elitismo, da mediocridade profissional, do novo-riquismo predador, da ostentação de “tanto verniz mentiroso na pele das pessoas” (p.53), enfim, das lógicas do ter e aparecer, a despeito da lógica do ser:
Ambos faziam esforço por crerem na nova realidade do Man João. Mas, a ideia de parecer normal engordar bolsos e emagrecer a mente, aborrecia-lhes. E mergulhavam, novamente, num silêncio completo. E, outra vez, sentiam a mesma voz alertar:
– Cuidado contra um novo ismo gémeo do colonialismo. (...) Mahézu, Ngana! (p. 84-85, grifo nosso).


NETO, Carmo. Degravata. Luanda: União dos Escritores
Angolanos (UEA), 2007 (103p.)

Referências bibliográficas


CÂNDIDO, A. Timidez do romance. In: A educação pela noite. 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006,p. 99-120.

BOURDIEU, P. A gênese dos conceitos de habitus e de campo. In: O poder simbólico. Trad. F. Tomaz, 11.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2007, p. 60-73.



 Texto de autoria de  Osvaldo Silva

Um milagre chamado CAN 2010

Era uma vez, um país chamado Angola cuja missão a 10 de Janeiro de 2010 seria organizar a fase final do campeonato de footebol africano. Do outro lado o seu vizinho mais ao extremo sul organizaria no mesmo ano o campeonato mundial da mesma modalidade, o venerado footebol.

Com à organização do CAN 2010 neste país chamado Angola, os problemas tinham desaparecidos. Construiu-se hospitais, centros de formação hoteleira, quatro novos campos de footebol, com realce para o com maior dimensão situado em Luanda e em três outras cidades. Estradas, pontes de ligação entre cidades, Hoteis de luxo, cujos preços variavam dos 200 por dias aos 600 dólares americanos. Os governantes deste país, cada vez que surgissem na imprensa pareciam todos esperançados com os milagres do CAN 2010.
A população foi toda envolvida viva e a cores nos milagres do CAN 2010. A passagem da taça do campeonato mundial de footebol organizado pelo vizinho do extremo sul passou por Luanda capital e movimentou uma grande turma de políticos do mais alto nível.
O CAN 2010 fez desaparecer os engarrafamentos nas estradas de Luanda, os buracos desapareceram e surgiram novas linhas de transporte público, até em zonos onde outrora não existia. Esta cidade parecia uma outra, comparando com os seus problemas de saneamento básico a que o CAN 2010, felizmente, para os cidadinos fez desaparecer. Já não se colocava o problema de infra-estruturas, porque CAN 2010 fez surgir novos edíficios no centro da velha cidade de Luanda, à exemplo da torre da Sonangol, onde outrora o estacionamento era um greve problema. No Luanda sul não paravam de subir luxuosos e gigantescos edifícios. No Huambo e Bíe, províncias do planalto central, um novo largo 1º de Maio acabava de ser construído e novas infra-estruturas faziam desaparecer as ruinas da guerra dos longos anos.
O CAN2010 desafiou os engenheiros que trabalhavam no projecto Capanda para o fornecimento de energia eléctrica, afim de acabar com os cortes sistemáticos nos musseques do Cazenga, Rangel, Samba, Kilamba Kiaxi e outros da grande Luanda. Enfim, os “gatos” finalmente acabaram. Já se dormia ao som do semba com o “AC” ligado, para aflição dos mosquitos da noite luandense.
Do Musseque ao centro das cidades de Luanda, Benguela, Huila e Cabinda, o que mais se ouvia eram os ecos da organização por Angola do CAN 2010. O campeonato parece que nos veio salvar de todas as makas domésticas. Ao CAN 2010, só a festa da dipanda conseguiu competir por uns dias e fez esquecer os seus milagres. Uma atenção em 100% ao CAN2010.
Era uma vez o CAN 2010.
Continuação.







sábado, 14 de novembro de 2009

A nossa " África angolana"

Começa a tornar-se interessante o facto de se realizarem reflexões em torno da sucessão presidencial em Angola. Na minha opinião, o que torna interessante é a consciência de se reconhecer que a sucessão em Angola constituiu um tabu político. Várias são as teses que dão sustentabilidade a esse debate. Lendo os jornais e ouvindo a rádio tive a oportunidade de aperceber-me da sua existência, o que torna ainda mais interessante o debate.
Não sabendo muito bem o que dizer na altura, ouvi atentamente o debate promovido pela Rádio Ecclésia, o argumento segundo a qual “ em África o chefe constitui uma instituição”. Ao ser uma afirmação que tanto pode ser verdadeira ou não, o mais interessante seria, do meu ponto de vista, saber se estes chefes satisfazem ou não a vontade dos seus “subdítos”. Pessoalmente, não sou contra os chefes, até porque no sistema das organizações é bom que existam chefes. Alguém tem que assumir as responsabilidades do rumo das empresas ou de outra organização. O contrário já abomino, a chefiatura, traduzida na tendência ou cultura do “eu mando em tudo e tu apenas obedeces”, de tomar decisões unilaterais e para benefício individual. Mesmo nas organizações empresariais é saudável, tomar decisões dentro dum colégio onde a decisão é alargada aos seus membros. Ao menos está-se consciente que no mais pequeno desvio todos serão chamados a resolver os problemas que daí vierem.
Retomando a ideia da chefiatura, não é verdadeira a imagem que se pretende projectar em África sobre a chefia e eternização nos cargos de liderança política, ou outra qualquer, tendo como argumento, que os africanos não vivem sem os chefes e que faz parte da sua natureza. Este argumento de tão simplista que é, tem sido utilizado para justificar o injustificável, mais ainda, para justificar o desvio ao contrato social na perspectiva de Jean Jacques Rousseau, estabelecidos na elaboração das constituições e leis ordinárias nos países. Um segundo argumento foi a insistência sistemática de relacionar e justificar as sucessões em África, usando exemplos, dos EUA com o consulado do Bush sénior e o do Bush júnior, ou ainda da família Kennedy e o das monarquias parlamentares ou constituicionais por alguns países da Europa.
É caso para dizer, que fingimos estar distraídos. As monarquias na Europa, África ou noutras partes do globo, foram e são momentos históricos do percurso a que muitas sociedades se submeteram. Não se coloca como um problema enquanto tal, o que não quer dizer, que se pode defendê-las a qualquer altura, por qualquer custo.
Em Angola, pelo que me consta, não está previsto a instauração duma monarquia de tipo absolutista, ou outra qualquer. O contrato social estabelecido na Lei Constitucional vigente, proclama uma república, onde todos os cidadãos são iguais em deveres e direitos. A última tarefa seria caminhar no sentido contrariar deste princípio, resultante do contrato entre nós os cidadãos e primado das leis que nos governam, para o bem e saúde da democracia angolana. Ao menos que quem governa nos viesse dizer, que estão cansados com a curta experiência democrática e que para isso, o melhor em consciência seria mudarmos de sistema político porque os cidadãos da Grã-Bretanha mostram-se mais felizes com o seu modelo.
A mesma felicidade seria extensiva ao reino da Noruega, ou da Espanha. Mas os espanhóis e os britânicos têm os seus problemas, e pelo que tudo indica, provavelmente, estão interessados em resolvê-los, dado a pressão social a que os políticos estão habituados e da forma mais democrática possível, sufragando as decisões.
Tal desiderato, deveria nos conduzir à resolução dos nossos problemas, até porque parece consensual, que a sucessão em Angola não é o problema em si, contudo, o que se vê como problemático é a forma como, eventualmente, se vai processar esta sucessão. E se nisso, as pessoas vêm problema, é de todo compreensível, até porque temos em Angola não com suficiente experiência nesta matéria, estando registada apenas uma em condições que não das actualidade. Se a memória não me pregar uma partida, não podendo refugiar-me pela idade ainda novíssima.
Num dos artigos de opinião, que foi-me dado a ler pelos jornais que saem aos finais de semana, apercebe-me da ideia, segundo a qual havia uma suspeição em abordar o tema dos 30 anos de JES em Angola. Advertia o articulista, que o presidente angolano deu mostras de maturidade ao saber gerir entre muitos, os principais problemas do país. E, recordava ele, que José Eduardo dos Santos foi uma escolha necessária, fazendo suas as palavras do presidente aquando da passagem do testemunho pelo elemento perturbador com a morte de Agostinho Neto. Ao que todo indica, provavelmente, foi rompida tal corrente de suspeição, quando no final de semana os articulistas de alguns jornais angolanos, nomeadamente, o Novo Jornal e o Semanário Angolense saíram com reflexões várias sobre o plausibilidade da sucessão em Angola. Entre o perfil histórico de JES e os momentos por este governado. Um balanço dos 30 anos de consulado de JES, onde não faltou a comparação com outros lideres africanos, cujo recorde ultrapassa o de JES.
Sucessão ou não, prefiro falar de novo ciclo político, nem se para outros signifique a mesma coisa. Interessa-me o debate que começa a marcar presença constante nos jornais e nas rádios angolanas. Pela força da guerra ou não, estávamos muito virados a nós e na resolução dos problemas que o pós-guerra ainda não ajudou a resolver. Daí que nos tornamos amorfos ao debate de ideias e não de pessoas.
Outro aspecto que chamou-me particular atenção no debate da Ecclésia, foram os ataques generalizados às oposições políticas africanas, com particular enfoque para a nacional, como se todas elas estivessem no mesmo estado de crise face as sucessões. Chegando mesmo um dos intervinientes, afirmar estar perplexo com a declaração dum eventual abandono da Comissão Constituicional por parte da UNITA. O interveniente não se conteve nos pronunciamentos que fez sobre a postura da UNITA. Ao ser verdade e desde que não comprometa a saúde do país, até é bom quando existem mecanismos de pressão política, sem vitimizações. As resistências à Constituição não são um perigo em si, pelo contrário, a não existência de resistências, pode se revelar um problema, que outros países já experimentaram. Quando não se sabe ao certo o que consagrar e como consagrar.
Nesta discussão, a ideia que sugere o modelo sul-africano, para além de sedutora, produz sensação mediática e é apelativa dado ao momento que se vive naquele país. Contudo, parece estar esquecido com fluidez o fantasma que outrora assombrou a vida dos políticos angolanos. A África do sul de hoje, atractiva aos nossos olhos, já o era no passado aquando do regime segregacionista, de que não temos nenhuma saudade, e foi durante este regime que se projectou os saltos como principal economia das mais fortes em África com explorações à mistura que tão bem Hugh Masekela retrata nas suas músicas. Tal é a sorte, que em Angola faz estrondo. Pura coincidência ou não, é de lá onde se procura o caminho para resolvermos a transição para um novo ciclo político.
É saudável para o debate nacional, discutir a Constituição. Angola deve estar habituada a valorizar mais o confronto de ideias, porque só a partir destas o país ganha em qualidade. Diferente será dizer dos insultos e desrespeitos, bem como da competição de títulos académicos. Isto em nada contribui para a qualidade que se crê dar à ideia de democracia em Angola.
Angola deve estar habituada a ser posta à prova todos os dias pelos seus cidadãos. E os políticos estarem à altura de compreender deste desafio que se nos coloca, se quisermos estar à altura de desafios maiores. Quero assinalar, que fiquei assustado com a proclamação, duma ideia que pensava estar abandonada, segundo a qual “ Angola será por vontade própria trincheira firme da revolução em África”. Vindo de um jovem estudante no debate da Ecclésia, depois do susto que levei, fez-me duvidar desta possibilidade no contexto actual. Não que a vontade de ser não possa levar as pessoas a acreditarem nesta realização. Cá por mim, julgo mais prudente e oportuno procurarmos resolver primeiro os problemas internos, que não são poucos, para em posterioridades de longo prazo pensarmos nesta possibilidade. Ao que parece, não sou o único preocupado com as questões internas, antes de ir mandar nos vizinhos movidos pela saudade revolucionária.
Acredito sim, no debate que se possa gerar em torno da futura Constituição, sem extravagâncias nem posturas excludentes. Que seja um debate inclusivo e que ganhe a ideia coerente de Angola, ao transformamos esta na projecção para a dignidade humana de cada angolano e angolana. Não faltará prudência e bom senso entre os políticos. Porém, alerto para se evitar as ideias de proclamarmos uma“ República dos privilégios”.

Luanda

Luandaship, velho ao novo



Luanda do velho ao novo, uma infância traduzida em lembraças e arranjos da memória. O bairro Nelito Soares marca e remarca vivências agora entregues à recordação.
Luanda vem registando novos momentos de cidade em movimentos bruscos do barroco à pós-modernidade. Na cidade emerge uma nova civilização urbana, com novos modelos inspirando pela Televisão, rádio e jornais e revistas arco- ires dos nossos dias. A sexualidade regular os costumes e comportamentos, não havendo fronteira a faxas etarias e ao fundamentalismo religioso. Bandeiras preta e amarela, vermelha e verde disfilam na marginal renascendo o carnaval da vitória. Só os fortes sobrevivem numa vida em espiral, inscrevendo o Darwinismo social, entre os musseques, cidade velha e o Litoral Sul.
O Kuduro, semba e kizomba são os icones da mudança transfornadora dos finais 90. Ritmos que regulam a convivência social numa relação corpo a corpo, ante à ausência de referências culturais fortes, a nova juventude recria um novo imaginário social luandense.
Luanda, cidade velha que restou da saudade dos anos 40 e 50 da gesta libertadora. Litoral sul simbolo de paradoxos e assimetrias sociais, um gigante que se agiganta não sabendo ao certo se é de barro. Indaga-se o narrador de Filhos da Pátria:“ até onde é capaz de ir a capacidade de humilhação do ser humano? É tão grande como a capacidade de adaptação? As respostas não as tenho, mas duma coisa estou certo – o musseque ainda é uma fonte de inspiração. Vai lá ver como o nosso Rangel está a naufragar, cantou o Show Men Yuri da Cunha.