sábado, 14 de novembro de 2009

A nossa " África angolana"

Começa a tornar-se interessante o facto de se realizarem reflexões em torno da sucessão presidencial em Angola. Na minha opinião, o que torna interessante é a consciência de se reconhecer que a sucessão em Angola constituiu um tabu político. Várias são as teses que dão sustentabilidade a esse debate. Lendo os jornais e ouvindo a rádio tive a oportunidade de aperceber-me da sua existência, o que torna ainda mais interessante o debate.
Não sabendo muito bem o que dizer na altura, ouvi atentamente o debate promovido pela Rádio Ecclésia, o argumento segundo a qual “ em África o chefe constitui uma instituição”. Ao ser uma afirmação que tanto pode ser verdadeira ou não, o mais interessante seria, do meu ponto de vista, saber se estes chefes satisfazem ou não a vontade dos seus “subdítos”. Pessoalmente, não sou contra os chefes, até porque no sistema das organizações é bom que existam chefes. Alguém tem que assumir as responsabilidades do rumo das empresas ou de outra organização. O contrário já abomino, a chefiatura, traduzida na tendência ou cultura do “eu mando em tudo e tu apenas obedeces”, de tomar decisões unilaterais e para benefício individual. Mesmo nas organizações empresariais é saudável, tomar decisões dentro dum colégio onde a decisão é alargada aos seus membros. Ao menos está-se consciente que no mais pequeno desvio todos serão chamados a resolver os problemas que daí vierem.
Retomando a ideia da chefiatura, não é verdadeira a imagem que se pretende projectar em África sobre a chefia e eternização nos cargos de liderança política, ou outra qualquer, tendo como argumento, que os africanos não vivem sem os chefes e que faz parte da sua natureza. Este argumento de tão simplista que é, tem sido utilizado para justificar o injustificável, mais ainda, para justificar o desvio ao contrato social na perspectiva de Jean Jacques Rousseau, estabelecidos na elaboração das constituições e leis ordinárias nos países. Um segundo argumento foi a insistência sistemática de relacionar e justificar as sucessões em África, usando exemplos, dos EUA com o consulado do Bush sénior e o do Bush júnior, ou ainda da família Kennedy e o das monarquias parlamentares ou constituicionais por alguns países da Europa.
É caso para dizer, que fingimos estar distraídos. As monarquias na Europa, África ou noutras partes do globo, foram e são momentos históricos do percurso a que muitas sociedades se submeteram. Não se coloca como um problema enquanto tal, o que não quer dizer, que se pode defendê-las a qualquer altura, por qualquer custo.
Em Angola, pelo que me consta, não está previsto a instauração duma monarquia de tipo absolutista, ou outra qualquer. O contrato social estabelecido na Lei Constitucional vigente, proclama uma república, onde todos os cidadãos são iguais em deveres e direitos. A última tarefa seria caminhar no sentido contrariar deste princípio, resultante do contrato entre nós os cidadãos e primado das leis que nos governam, para o bem e saúde da democracia angolana. Ao menos que quem governa nos viesse dizer, que estão cansados com a curta experiência democrática e que para isso, o melhor em consciência seria mudarmos de sistema político porque os cidadãos da Grã-Bretanha mostram-se mais felizes com o seu modelo.
A mesma felicidade seria extensiva ao reino da Noruega, ou da Espanha. Mas os espanhóis e os britânicos têm os seus problemas, e pelo que tudo indica, provavelmente, estão interessados em resolvê-los, dado a pressão social a que os políticos estão habituados e da forma mais democrática possível, sufragando as decisões.
Tal desiderato, deveria nos conduzir à resolução dos nossos problemas, até porque parece consensual, que a sucessão em Angola não é o problema em si, contudo, o que se vê como problemático é a forma como, eventualmente, se vai processar esta sucessão. E se nisso, as pessoas vêm problema, é de todo compreensível, até porque temos em Angola não com suficiente experiência nesta matéria, estando registada apenas uma em condições que não das actualidade. Se a memória não me pregar uma partida, não podendo refugiar-me pela idade ainda novíssima.
Num dos artigos de opinião, que foi-me dado a ler pelos jornais que saem aos finais de semana, apercebe-me da ideia, segundo a qual havia uma suspeição em abordar o tema dos 30 anos de JES em Angola. Advertia o articulista, que o presidente angolano deu mostras de maturidade ao saber gerir entre muitos, os principais problemas do país. E, recordava ele, que José Eduardo dos Santos foi uma escolha necessária, fazendo suas as palavras do presidente aquando da passagem do testemunho pelo elemento perturbador com a morte de Agostinho Neto. Ao que todo indica, provavelmente, foi rompida tal corrente de suspeição, quando no final de semana os articulistas de alguns jornais angolanos, nomeadamente, o Novo Jornal e o Semanário Angolense saíram com reflexões várias sobre o plausibilidade da sucessão em Angola. Entre o perfil histórico de JES e os momentos por este governado. Um balanço dos 30 anos de consulado de JES, onde não faltou a comparação com outros lideres africanos, cujo recorde ultrapassa o de JES.
Sucessão ou não, prefiro falar de novo ciclo político, nem se para outros signifique a mesma coisa. Interessa-me o debate que começa a marcar presença constante nos jornais e nas rádios angolanas. Pela força da guerra ou não, estávamos muito virados a nós e na resolução dos problemas que o pós-guerra ainda não ajudou a resolver. Daí que nos tornamos amorfos ao debate de ideias e não de pessoas.
Outro aspecto que chamou-me particular atenção no debate da Ecclésia, foram os ataques generalizados às oposições políticas africanas, com particular enfoque para a nacional, como se todas elas estivessem no mesmo estado de crise face as sucessões. Chegando mesmo um dos intervinientes, afirmar estar perplexo com a declaração dum eventual abandono da Comissão Constituicional por parte da UNITA. O interveniente não se conteve nos pronunciamentos que fez sobre a postura da UNITA. Ao ser verdade e desde que não comprometa a saúde do país, até é bom quando existem mecanismos de pressão política, sem vitimizações. As resistências à Constituição não são um perigo em si, pelo contrário, a não existência de resistências, pode se revelar um problema, que outros países já experimentaram. Quando não se sabe ao certo o que consagrar e como consagrar.
Nesta discussão, a ideia que sugere o modelo sul-africano, para além de sedutora, produz sensação mediática e é apelativa dado ao momento que se vive naquele país. Contudo, parece estar esquecido com fluidez o fantasma que outrora assombrou a vida dos políticos angolanos. A África do sul de hoje, atractiva aos nossos olhos, já o era no passado aquando do regime segregacionista, de que não temos nenhuma saudade, e foi durante este regime que se projectou os saltos como principal economia das mais fortes em África com explorações à mistura que tão bem Hugh Masekela retrata nas suas músicas. Tal é a sorte, que em Angola faz estrondo. Pura coincidência ou não, é de lá onde se procura o caminho para resolvermos a transição para um novo ciclo político.
É saudável para o debate nacional, discutir a Constituição. Angola deve estar habituada a valorizar mais o confronto de ideias, porque só a partir destas o país ganha em qualidade. Diferente será dizer dos insultos e desrespeitos, bem como da competição de títulos académicos. Isto em nada contribui para a qualidade que se crê dar à ideia de democracia em Angola.
Angola deve estar habituada a ser posta à prova todos os dias pelos seus cidadãos. E os políticos estarem à altura de compreender deste desafio que se nos coloca, se quisermos estar à altura de desafios maiores. Quero assinalar, que fiquei assustado com a proclamação, duma ideia que pensava estar abandonada, segundo a qual “ Angola será por vontade própria trincheira firme da revolução em África”. Vindo de um jovem estudante no debate da Ecclésia, depois do susto que levei, fez-me duvidar desta possibilidade no contexto actual. Não que a vontade de ser não possa levar as pessoas a acreditarem nesta realização. Cá por mim, julgo mais prudente e oportuno procurarmos resolver primeiro os problemas internos, que não são poucos, para em posterioridades de longo prazo pensarmos nesta possibilidade. Ao que parece, não sou o único preocupado com as questões internas, antes de ir mandar nos vizinhos movidos pela saudade revolucionária.
Acredito sim, no debate que se possa gerar em torno da futura Constituição, sem extravagâncias nem posturas excludentes. Que seja um debate inclusivo e que ganhe a ideia coerente de Angola, ao transformamos esta na projecção para a dignidade humana de cada angolano e angolana. Não faltará prudência e bom senso entre os políticos. Porém, alerto para se evitar as ideias de proclamarmos uma“ República dos privilégios”.

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